Todo mundo tem uma dica de Buenos Aires. E, pela proximidade e quantidade de voos saindo do Brasil, a cidade é perfeita para dois dias de escape. Pra quem não foi, um city tour tradicional vale a pena. Mas se você quer ir além…
Um passeio em San Telmo, com o famoso mercado das pulgas no domingo, vai melhorar se você tirar uma fotinha ao lado da Mafalda, personagem famosas das tirinhas de Quino. Famosa por seu lado político e existencial, Mafalda é praticamente um alter-ego de seu criador. Por isso, foi traduzida para vários países, incluindo o Brasil.
O simples fato de caminhar por Buenos Aires vai ser altamente agradável. A arquitetura da cidade é muito bonita. Os prédios são impressionantes, afinal Buenos Aires já era uma metrópole enquanto São Paulo era apenas uma cidade provinciana. A primeira linha de metrô do hemisfério foi inaugurada em 1913 e está ativa até hoje. Apesar da idade avançada, a cidade tem planejamento urbano organizado, com quarteirões igualmente distribuídos e avenidas largas, influência claramente espanhola.
Outra caraterística interessante de Buenos Aires é o enorme número de sorveterias espalhadas pela cidade. Os portenhos tomam sorvete em todas as estações do ano, se não me engano, com um consumo per capta que é o dobro do brasileiro. Sorvete lá não é apenas sobremesa: é alimento. A famosa Freddo, que está espalhada por toda a cidade, é prazer sem erro. Só de sabores de doce-de-leite devem ter uns 10, além do sorvete de laranja, tão comum e tão bom na Argentina.
Se quiser uma experiência mais retro, a Via Flamínia, no meio da Calle Florida (nº 121), perto da Casa Rosada, é escolha perfeita. A sorveteria é bem antiguinha. Tem uns 8 tipos de sorvetes de doce de leite, uns 10 de creme, uns 8 de chocolate, e outros de nozes, amêndoas e frutas. A consistência é perfeita e as porções, exageradas. Acima, sorvete de mousse de chocolate e sorvete de laranja.
Pra comer bem e barato durante o dia, experimente o Club de La Milanesa, que se espalha pela cidade. Para uma experiência mais orgânica e sensorial, tente o Tea Connection (sim, já desembarcou com duas filiais em São Paulo). E, falando em São Paulo, caso queira comer num dos restaurantes da rede Rubaiyat, recomendo o Cabaña Las Lias, em pleno Puerto Madero. Sim, você só vai ver brasileiros, mas a comida vale a pena.
Entre as atrações tradicionais da cidade, um passeio pelo Malba te dará a oportunidade de ver o quadro mais famoso do modernismo brasileiro exposto em terras gringas.
O Museu
O Museu de Arte Latinoamericano de Buenos Aires, o MALBA, expõe a coleção permanente de Eduardo Constantini, milionário argentino do mercado financeiro. O museu, amplo, moderno e espaçoso, tem cara de shopping center, mas exibe com dignidade uma grande coleção de arte latino-americana do início do século XX.
Um dos quadros mais fomosos do MALBA é o Abaporu, da brasileira Tarsila do Amaral. Pintada em 1928, é a tela brasileira mais valorizada do mundo, tendo sido adquirida pelo milionário argentino em 1995 por U$ 1,5 mi.
O que a tela tem de importante para nós, brasileiros, pouco tem para o mundo. Na época, Tarsila, filha de fazendeiros milionários, foi uma das brasileiras que conseguiram ir estudar na Europa para entender um pouco do que se produzia em arte. A Arte nesta época , como conceito que entendemos, era totalmente europeia. Nem mesmo os EUA tinham artistas expressivos porque todo o dinheiro ainda circulava no Velho Mundo. E o que consideramos arte caminha de mãos dadas com dinheiro.
Tarsila teve aulas com cubistas, escola em ascendência na Europa, e tornou-se amiga do pintor francês Fernand Léger, mas não chegou a desenvolver um cubismo propriamente dito. Muito menos algo contemporâneo com a sua época nos questionamentos que faziam sobre a pintura. A pintora estava concentrada na realidade do Brasil.
O trabalho de Tarsila ainda era mais figurativo e menos desmembrativo, como era o modernismo cubista. O cubismo expõe abertas em uma tela plana todas as faces de uma representação. É quase um exercício, uma insistência de tornar plano o que na realidade é tridimensional. Mas Tarsila estava mais interessada em desenvolver como pintura os fatos da realidades do Brasil.
O Abaporu nasceu como uma tela de presente da pintora para o seu marido, o escritor modernista Oswald de Andrade. O que o Apaporu tem de interessante para nós, brasileiros, é que ele representa nossa primeira tentativa de entender o que se passa no mundo da arte. Uma tentativa de engolir para depois cuspir. É exatamente esse o manifesto antropofágico de Oswald de Andrade: sermos capazes de assimilar algo de fora para em seguida expelir como algo nosso.
Ainda não havia na época, no Brasil, um pensamento sobre arte, sobre conceitos de pintura, sobre caminhos a tomar. Por isso, a tela e toda a obra de Tarsila são muito relevantes para nós, porém pouco para a História da Arte.
Presente no imaginário de muitos brasileiros, até mesmo dos que não estão envolvidos com arte, o Abaporu tem status de Monalisa no MALBA. A tela brasileira fica exposta atrás de uma proteção de vidro para poupar a tinta dos flashes inconvenientes. A foto abaixo foi tirada sem flash, mas conota até para mim o status de marco turístico que o quadro adquiriu.
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